Desafios para a regulação emocional
Sonia Gondim
Doutora em Psicologia
Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
O lar passou a ser, para muitos
trabalhadores, o lugar de trabalho. Isto está afetando, em graus diferenciados,
a rotina de vida e de relacionamento com seus familiares. Também está fazendo
com que o trabalhador reveja os sentidos e significados do trabalho, colocando
à prova sua capacidade de regular as emoções.
O tempo de trabalho comumente se
estende para além da jornada contratada, visto que hoje qualquer um que
disponha de um dispositivo eletrônico pode ser encontrado a qualquer tempo e
lugar.
Em tempos de pandemia e de
afastamento social presencial, ao contrário, muitos trabalhadores se viram da
noite para o dia em sistema de trabalho de home-office, sem que de fato
estivessem preparados para isto.
Trabalhadores que sequer haviam
pensado nesta possibilidade em suas vidas vivem um turbilhão de sentimentos,
incluindo a angústia e a ansiedade, em um contínuo esforço para se adaptarem à
nova condição, ainda que provisória.
O significado e o sentido do trabalho:
O significado e sentido do
trabalho são manifestações individuais e cabe a cada um contextuar porque são manifestações
singulares (reflete trajetórias individuais) e socioculturais (formas
diferenciadas de inserção social).
Supõem a interação humana mediada
por múltiplos símbolos culturais incorporados e processos de socialização
distintos. Por isso, acabam por expressar várias contradições. Afinal, o
trabalho é a principal atividade na interação com o mundo, tendo importante
função psicológica no nosso desenvolvimento como pessoa (Clot, 2006)
O trabalho pode significar
dignidade e humilhação, saúde e adoecimento ocupacional, prazer e sofrimento,
sustento econômico e dureza de enfrentamento, desafios e riscos de acidentes.
A regulação emocional:
A regulação emocional se insere
em um processo denominado de autorregulação que envolve o pensamento, a emoção
e a ação. A autorregulação é um processo psicológico ativado de modo automático
(com pouco controle consciente).
Regular uma emoção significa
tentar alterar, de alguma forma, qual emoção sentir, quando, de que modo e com
que intensidade senti-la (Gondim, 2019; Gross, 2015). Certamente não é tarefa
fácil, porque estamos mais preparados para reagir impulsivamente às
perturbações do que tolerar sentimentos que nos incomodam. Temos pouca
tolerância a emoções e sentimentos, como medo, ansiedade, angústia, tristeza,
raiva e nojo.
Um dos maiores desafios atuais
para quem está trabalhando em casa é admitir que não reagimos somente ao
sistema de home-office, mas às condições em que o estamos vivendo no momento.
Muitos seguramente, não dispõem
de espaço próprio para reservar um lugar somente para o trabalho, separando-o
de todas as outras atividades e do funcionamento geral do lar.
Sabemos que, cada vez mais, as
pessoas moram em espaços pequenos e a distribuição dos espaços e cômodos nem
sempre facilita separar trabalho e lar, principalmente quando há outros membros
da família, incluindo crianças e idosos.
Então, há ao menos dois tipos de
demandas que exigem regulação emocional: as do trabalho e as do lar.
Se não podemos no momento nos
esquivar de nenhum dos dois, precisamos encontrar alternativas para demarcar
melhor o espaço e o tempo dedicado ao trabalho, aos afazeres domésticos e à
convivência familiar.
Que caminhos podemos adotar:
Para buscar alternativas devemos
começar com indagações para saber exatamente qual a causa da inquietude e
alteração emocional:
1- Como
eu vivenciava o meu trabalho antes da pandemia?
2- Que
significados e sentidos esse meu trabalho tem para mim?
3- Trabalhar
em sistema de home-office era algo que eu desejava e via com bons olhos?
4- O
que eu mais valorizava no meu trabalho?
5- Receber dinheiro para minha sobrevivência,
realizar-me pessoalmente, interagir com outras pessoas, sentir-me útil, ser
reconhecido socialmente, ter status, cumprir meu dever – o que mais era e é
importante para mim?
6- Esta
situação de home-office está me fazendo rever esses valores, sentidos e
significados?
7- Introduzi
novos valores? Cresci pessoalmente?
8- Quais
emoções reconheço estar vivendo que estão relacionadas às reflexões que faço
sobre o que me vinculava ao trabalho antes e agora?
9- Que
aspectos da realidade e de minha história pessoal mobilizam esses sentimentos,
emoções e afetos?
Questionar
ajudará a manter-nos conectados com a realidade, identificar melhor as fontes
de incômodos, usar nossos recursos cognitivos, emocionais e comportamentais,
além de compreender melhor a situação que estamos vivenciando.
Identificar
qual é o maior problema que nos angustia e/ou nos atemoriza, explorando as
nossas possibilidades de reflexão, é o primeiro passo e pode nos abrir para
alternativas criativas ou, ao menos, antes inimagináveis.
Não sabemos
quanto tempo você seguirá em sistema de home-office. Pensar que isto seja
provisório, atenua emoções indesejáveis ou ao menos as colocam em níveis de
intensidade mais baixos.
Façamos um
exercício de flexibilidade mental que pode atenuar a ansiedade. Dessa maneira,
estamos usando o pensamento como uma forma de mudar nosso ponto de vista e
deste modo conseguimos mudar também os nossos sentimentos em relação ao
problema que nos aflige.
Outro caminho
de construção de alternativas é não hesitar em pedir ajuda a pessoas que
estão perto de você.
Leve em conta
a idade de seus filhos e veja de que modo cada um pode colaborar com uma tarefa
mínima que seja. Reconhecer que algo não está bem com você e que precisa de
ajuda e pedi-la é um importante passo em processos regulatórios.
Aliás,
pesquisas empíricas recentes sugerem que não só a percepção de contar com ajuda
de outras pessoas (suporte social) mostra-se fundamental, mas o processo ativo
de busca de suporte é igualmente relevante e ajuda no bem-estar pessoal e na
saúde mental (Menéndez-Espina et al., 2019).
Compartilhar
as aflições e alternativas com amigos à distância, utilizando redes sociais
também pode ser um caminho para lidar com as emoções que te inquietam, diminuir
a solidão e aprender novas alternativas.
Somos
essencialmente sociáveis e nos afastar dos contatos sociais podem
acarretar doenças mentais
irreparáveis.